O acesso à justiça e os crimes contra a humanidade

 




O tema do acesso à justiça na seara internacional, se faz mais presente do que nunca no século vinte e um, o que os juristas e doutrinadores defensores da tese da ampliação da capacidade processual para abranger os indivíduos e outros sujeitos de direito é o reconhecimento da personalidade jurídica internacional do individuo, para fazer valer os seus direitos inerentes de pessoa humana, até mesmo em face de seu próprio Estado.

Em vista disso, a Corte Internacional de Justiça (CIJ) substituiu a antiga Corte Permanente de Justiça Internacional. A CIJ, esta vinculada a ONU, e sua Carta complementa as disposições da ONU de forma harmônica. Esta localizada no Palácio da Paz de Haia; é composta por quinze juízes titulares, eleitos pelos órgãos da ONU, quais sejam, Assembleia Geral e Conselho de Segurança das Nações Unidas. É vedada a existência de dois juízes pertencentes ao mesmo Estado na Corte. E na hipótese do Estado litigante ser o mesmo do julgador, poderá ser nomeado substituto para apreciar o caso.

Nessa perspectiva, quando o Estado reconhece a jurisdição da Corte não significa que está delegando competência para vir a ser julgado por essa jurisdição já que o próprio Estatuto determina que essa competência seja facultativa, de acordo com o art. 59 “a decisão da Corte só será obrigatória para as partes litigantes e a respeito do caso em questão”. Nesse sentido, quando um determinado Estado ratifica a Carta da ONU reconhecendo a jurisdição da CIJ, não está simultaneamente delegando à CIJ capacidade de julgá-lo em qualquer situação, porque na seara da justiça internacional há diferença entre jurisdição e competência, assim o Estatuto traz a chamada clausula facultativa de jurisdição obrigatória.

O desdobramento deste contexto é que o principal tribunal internacional julga necessariamente inter partes e não erga omnes, assim, seus julgados não valem para todos ou são absolutos. Quanto ao ato decisório da CIJ o art. 60 prevê que “a sentença é definitiva e inapelável. Em caso de controvérsia quanto ao sentido e ao alcance da sentença, caberá à Corte interpretá-la a pedido de qualquer das partes”, ou seja, não cabe recurso contra a decisão da Corte, apenas esclarecimento a pedido das partes.

Assim sendo, o Brasil pode vir a ser afetado por uma decisão da CIJ, porem, esse ato decisório somente será cogente para o País se houver o consentimento brasileiro. Se não houver esse consentimento do Brasil, nenhuma sentença da CIJ poderá obriga-lo, por conseguinte, não será internalizada ao direito brasileiro. Todavia, o Brasil por ter ratificado a Carta da ONU, fazendo parte desta organização se comprometeu a conforma-se com as decisões CIJ em qualquer caso em que for parte.

Nesta senda, a CIJ possui duas funções: uma de eliminar conflitos que chegaram para sua apreciação, denominada de contenciosa; outra de formular ou se manifestar através de pareceres, sobre questões jurídicas, pelos órgãos habilitados de acordo com o regimento para pedir considerações, por exemplo, a própria ONU, e as agencias especializadas- OMS, OIT, UNESO entre outras. Essa função é chamada de consultiva e esses pareceres da CIJ são tão relevantes que ajudam a construir o direito internacional, a exemplo disso os Pareceres sobre as Reparações de Danos (1949) e sobre a Namíbia (1971) que constituem verdadeiras doutrinas internacionalistas. Assim sendo, os pareceres da CIJ têm validade e nenhum dos sujeitos de direito internacional, pode alegar desconhecê-los. Ademais, também pode a CIJ em situações de gravidade e urgência emitir medidas protetivas de caráter obrigatório. Exemplo de medida protetiva aplicada na seara internacional: 

“Recentemente (em 2011), no caso do Templo de Préah Vihéar (Camboja versus Tailândia), reaberto depois de meio século, a CIJ, tendo presentes não só a questão territorial como também os riscos sofridos pela população local, indicou ou ordenou medidas provisórias de proteção, determinando, pela primeira vez em sua história, a criação de uma zona desmilitarizada na região, que desde então pôs fim ao conflito, até o presente (setembro de 2012). Há possibilidades de reabertura de um caso tanto para interpretação (como no supracitado caso do Templo de Préah Vihéar), como para revisão”. (TRINDADE, 2013, p20)

Nesse contexto, o Tribunal Internacional de Justiça inovou quando julgou o contencioso sobre as imunidades e privilégios jurisdicionais do Estado travado entre Alemanha e Itália, onde, pela primeira vez na história a Corte permitiu a intervenção de um terceiro Estado, no caso em baila a Grécia, superando o paradigma da bilateralização do processo internacional. Para fundamentar a decisão inédita a CIJ se valeu das “fontes” do direito global, disciplinadas no art.38 do seu Estatuto que não tem o objetivo de esgotar todas as fontes do direito internacional, visto que este ramo do direito possui peculiaridades intrínsecas a sua própria natureza jurídica, por ter um nível de complexidade tão elevado, não pode ficar limitado as “fontes” exemplificada no art. 38. Assim, sob a ótica jusnaturalista tratados e costumes seriam um avanço dos princípios gerais do direito, ajustados as mudanças históricas. Critica a parte, o que se pode afirmar é que as “fontes” do direito estão se comunicando entre si de forma ativa e em constante interligação.

Todavia, o exercício da função contenciosa pela Corte ainda está limitado, quando se trata da legitimidade para a tutela de direitos, isto é, somente os Estados possuem a natureza personalíssima para litigar sob a apreciação da Corte. Porem, esse método rígido para o contencioso interestatal, não tem sido razoável nos últimos tempos frente a inúmeras demandas que surgem envolvendo direitos individuais ou individuais homogêneos. A atuação dos indivíduos ou de seus representantes legalmente constituídos se faz necessária em muitas situações, até mesmo para facilitar o trabalho da CIJ, já que muitos dos casos envolvem direitos humanos e não somente questões teóricas ou genéricas unicamente dos Estados. Para Trindade pelo fato de muitos casos sob julgamento na CIJ, serem tão complexos e transcenderem a pessoa do Estado, não é razoável e proporcional que a fundamentação do ato decisório (Sentença) tenha que ser prolatada pensando apenas nos interesses dos Estados.

Contudo, o surgimento de outros tribunais especializados em temas internacionais, por exemplo, os de direitos humanos, de direito do mar, os penais, os de integração econômica nos planos regional e sub-regional, conseguiram “democratizar” o acesso à justiça internacional fazendo crescer o numero de sujeitos de direito litigantes e ampliou a área de atuação da jurisdição internacional. Faz parte do ideal de justiça à incorporação dos indivíduos como sujeitos de direito plenamente capazes para pleitear seus direitos nas Cortes Internacionais, possuindo assim legitimidade ad causam para figurar no polo ativo da ação internacional, sobretudo em matéria de direitos humanos, quando é mais latente a violação sofrida pelos particulares, ou seja, é necessário se garantir a prerrogativa de petição individual, manifestando desta maneira a liberdade do ser humano frente ao seu Estado. Trindade equipara essa prerrogativa do individuo ao patamar de cláusulas pétreas do direito internacional, conforme trecho extraído abaixo: 

“A jurisdição obrigatória dos tribunais internacionais de direitos humanos é, em meu entender, o complemento indispensável do direito de petição individual internacional; constituem eles os pilares básicos da proteção internacional, do mecanismo de emancipação do ser humano vis-à-vis seu próprio Estado26. Afiguram-se eles como verdadeiras cláusulas pétreas da proteção internacional da pessoa humana”. (TRINDADE, 2013, p.27 e 28)

Em outro giro, quando a questão internacional envolve direito penal, o individuo já não esta mais no polo ativo da ação, e sim, no polo passivo. Nesta seara, destaca-se o papel da ONU para de um lado fomentar a paz das Nações Unidas e por outro criar Tribunais Penais como o de Ruanda (1994), fruto do apelo da sociedade internacional em decorrência das desumanidades cometidas neste país e em ultima instância prevenir e coibir que outras violações aos direitos humanos aconteçam. No caso de Ruanda, a comunidade internacional demorou muito a agir, ficaram cogitando a hipóteses de tratar de genocídio ou não, mas, a história demonstrou que não dá para esperar em situações como essa tem que haver intervenção global, a fim de salvar vidas. Apesar da resposta internacional ao genocídio em Ruanda com a criação do Tribunal Penal, ter demorado a acontecer não podendo assim evitar a tragédia, esse tribunal é de grande importância pratica para outros casos concretos não se repitam.

Nessa perspectiva, a instituição de Cortes Internacionais especializadas, corrobora para o entendimento de que é preciso responsabilizar os sujeitos que cometem crimes contra a humanidade, ou genocídio, quebrando o paradigma da impunidade. Nesse sentido, o Tribunal Nuremberg, que julgou os crimes praticados pelos nazistas contra a humanidade, em 1945, apesar de ser um tribunal de exceção, isto é, que surgiu após o conflito e em certa medida era influenciado por interesses de alguns países como os Estados Unidos da América, serve de “referencia” ou “modelo” para a instituição permanente do Tribunal Penal Internacional. Entretanto, a Constituição Federal de 1988, disciplina, em seu art.5º, XXXVII – “não haverá juízo ou tribunal de exceção”.

Desta forma, o Estatuto de Roma, lei 4.388 de 2002 é muito importante para reafirmar os princípios da ONU e garantir a proteção e participação da vitima nos processos envolvendo crimes internacionais, traz normas com relevantes conceitos e definições sobre os crimes contra a humanidade e as diferencia do crime de genocídio como se lê abaixo:

“Art.6º Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por "genocídio", qualquer um dos atos que a seguir se enumeram praticado com intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, enquanto tal:

  • a) Homicídio de membros do grupo;
  • b) Ofensas graves à integridade física ou mental de membros do grupo;
  • c) Sujeição intencional do grupo a condições de vida com vista a provocar a sua destruição física, total ou parcial;
  • d) Imposição de medidas destinadas a impedir nascimentos no seio do grupo;
  • e) Transferência, à força, de crianças do grupo para outro grupo”.

Isto é, o art.6º da lei descreve as características do crime de genocídio, para que a sociedade internacional consiga identifica-lo, e desenvolver mecanismos de controle e responsabilização do agente que comete esse ato delituoso que macula o núcleo dos direitos humanos. Já o art. 7º do mesmo dispositivo irá apresentar a definição e as nuances dos crimes contra a humanidade, a seguir:

“Art. 7º 1. Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por "crime contra a humanidade", qualquer um dos atos seguintes, quando cometido no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil, havendo conhecimento desse ataque:

  •         a) Homicídio;
  •         b) Extermínio;
  •         c) Escravidão;
  •         d) Deportação ou transferência forçada de uma população;
  •         e) Prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave, em violação das normas fundamentais de direito internacional;
  •         f) Tortura;
  •         g) Agressão sexual, escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável;
  •         h) Perseguição de um grupo ou coletividade que possa ser identificado, por motivos políticos, raciais, nacionais, étnicos, culturais, religiosos ou de gênero, tal como definido no parágrafo 3o, ou em função de outros critérios universalmente reconhecidos como inaceitáveis no direito internacional, relacionados com qualquer ato referido neste parágrafo ou com qualquer crime da competência do Tribunal;
  •         i) Desaparecimento forçado de pessoas;
  •         j) Crime de apartheid;
  •         k) Outros atos desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental (...)”.

Assim, da leitura dos artigos se extrai que a principal diferença entre o crime de genocídio e os crimes contra a humanidade é que no primeiro as pessoas vítimas do crime não tem conhecimento do virá a acontecer, sendo pegas de surpresa pelo ardil do autor do crime, já no ultimo os ataques são sabidos e acontecem de forma sistemática ou recorrente.

Desta maneira, de acordo com esta lei a prioridade para investigar e julgar as questões envolvendo genocídio ou crimes contra a humanidade é dos tribunais nacionais, ficando desta maneira o Tribunal Penal Internacional com o exercício da jurisdição subsidiaria. O Estatuto também disciplina que diante de crimes de tamanha gravidade não se aplica os princípios gerais do direito, mesmo, que alguns doutrinadores entendam que essas praticas delituosas fazem parte do chamado jus congens e tenham eficácia para todos. Exemplo recente de violação aos direitos humanos no plano global é caso do ex-ditador do Sudão que será julgado pela Corte penal Internacional. Omar al-Bashir sofre 31 acusações perante o TPI, dentre as acusações estão os crimes de: genocídio, estrupo, tortura. O TPI já despachou mandados de prisão contra ele, e outros funcionários de seu governo por “crimes contra a humanidade” e por “genocídio”.

Segundo Trindade o desenvolvimento de uma consciência jurídica universal é fonte material do Direito Internacional. Outra inovação na seara internacional são os Tribunais híbridos ou mistos que são integrados por juízes nacionais e internacionais que tem revolucionado a jurisdição internacional, no que tange ao acesso a justiça e ao julgamento violações aos direitos humano, por exemplo, em Serra Leoa, Timor-Leste, Kossovo, Bósnia-Herzegovina, Camboja e Líbano.

Trindade defende em sua atuação na CIJ que os tribunais globais devem ter como foco o que ele chama de jus necessarium em detrimento de permissões indevidas a vontade estatal. O jus necessarium é um principio geral internacional que norteia o entendimento dos tribunais a fim de prolatar decisões que sejam boas para a comunidade global como um todo.

Nesse caminho, observa-se, o art.36, 2 do Estatuto de Haia, “o Conselho de Segurança deverá tomar em consideração quaisquer procedimentos para a solução de uma controvérsia que já tenham sido adotados pelas partes”, ou seja, a finalidade inicial era conclamar a adesão de todos os Estados, consolidando a jurisdição internacional amparada na igualdade jurídica entre os Estados, entretanto a pratica se mostra diversa ou desvirtuada, pelo fato dos estados terem permitido a inserção de cláusulas restritivas não previstas na Carta. Apesar do avanço considerável, ainda há muito o que avançar. A esperança está nas cláusulas compromissórias, ferramentas usadas em prol da jurisdição obrigatória da CIJ, referente a tratados gerais de direitos humanos, por exemplo, a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial.

Trindade sustenta o equivoco da CIJ em relação à interpretação do art. 22 da CERD, pois para ele desde o inicio esse dispositivo encontra-se diretamente relacionado com o acesso a justiça dos mais vulneráveis sob os tratados de direitos humanos. Por isso as cláusulas compromissórias tem um papel muito relevante, porque, se interpretadas e aplicadas corretamente podem propiciar avanços rumo à jurisdição internacional obrigatória.

Desta forma, a principal característica da coexistência de vários tribunais internacionais atualmente é o papel de destaque do ser humano como sujeito de direito internacional, apresentando capacidade e personalidade, ou seja, legitimidade ativa perante os tribunais de direito humanos; e passiva diante dos tribunais penais de Direito Internacional. Segundo Trindade: “as bases de jurisdição dos tribunais internacionais contemporâneos encontram-se nas convenções, nos acordos e instrumentos internacionais respectivos, e seu exercício é regulamentado por seus interna coporis”. (2010, p.45)

Alerta Trindade que o objetivo dos tribunais internacionais é a realização do ideal de justiça global e não rivalidades em busca de protagonismo, sobretudo, devem se preocupar com a excelência de suas sentenças e não em tentar ser maior do que os demais. Para Trindade o processo chamado por ele de humanização do direito global contemporâneo tem se dado pela incorporação da pessoa humana como núcleo da jurisdição internacional.

Nesse sentido, a Convenção Americana de Direitos Humanos, funda em 1979, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que possui um sistema de atuação diferente do previsto na CIJ e é formada por sete juízes nacionais. Sua incumbência é afirmada na execução do pacto assumido pelos Estados Partes na Convenção Americana, cabendo a ela decidir se houver a violação de um direito ali protegido e determinar reparações à parte lesada. Em regra, o procedimento para apuração de violações se inicia com o recebimento denuncias feitas por pessoas ou entidades não governamentais, através de petições, encaminhadas a Comissão de D. Humanos e depois chegar a CIDH, que deverá analisar e buscar a solução amistosa da lide. Desta forma, ainda não é cabível que os indivíduos apresentem sua queixa diretamente a Corte de D. Humanos, segundo o art. 61 do seu Estatuto “somente os Estados-Partes e a Comissão têm direito de submeter caso à decisão da Corte”, exemplo de um caso individual brasileiro que fora levado a Comissão de D. Humanos foi o da Maria da Penha, que posteriormente batizou a lei de combate à violência domestica.

O Pacto de São José da Costa Rica disciplina que para que a Corte aprecie qualquer caso é necessário esgotar os procedimento dos seguintes artigos do Estatuto. 

“Art. 48 1. A Comissão, ao receber uma petição ou comunicação na qual se alegue violação de qualquer dos direitos consagrados nesta Convenção, procederá da seguinte maneira:

    a) se reconhecer a admissibilidade da petição ou comunicação solicitará informações ao Governo do Estado ao qual pertença a autoridade apontada como responsável pela violação alegada e transcreverá as partes pertinentes da petição ou comunicação. As referidas informações devem ser enviadas dentro de um prazo razoável, fixado pela Comissão ao considerar as circunstâncias de cada caso;

    b) recebidas às informações, ou transcorrido o prazo fixado sem que sejam elas recebidas, verificará se existem ou subsistem os motivos da petição ou comunicação. No caso de não existirem ou não subsistirem, mandará arquivar o expediente;

    c) poderá também declarar a inadmissibilidade ou a improcedência da petição ou comunicação, com base em informação ou prova superveniente;

    d) se o expediente não houver sido arquivado, e com o fim de comprovar os fatos, a Comissão procederá com conhecimento das partes a um exame do assunto exposto na petição ou comunicação. Se for necessário e conveniente, a Comissão procederá a uma investigação para cuja eficaz realização solicitará, e os Estado interessados lhe proporcionarão, todas as facilidades necessárias;

    e) poderá pedir aos Estados interessados qualquer informação pertinente e receberá, se isso lhe for solicitado, as exposições verbais ou escritas que apresentarem os interessados; e.

    f) pôr-se-á à disposição das partes interessadas, a fim de chegar a uma solução amistosa do assunto, fundada no respeito aos direitos humanos reconhecidos nesta Convenção.

    2. Entretanto, em casos graves e urgentes, pode ser realizada uma investigação, mediante prévio consentimento do Estado em cujo território de alegue haver sido cometido à violação, tão somente com a apresentação de uma petição ou comunicação que reúna todos os requisitos formais de admissibilidade.

     Art. 49 Se houver chegado a uma solução amistosa de acordo com as disposições do inciso 1, f, do artigo 48, a Comissão redigirá um relatório que será encaminhado ao peticionário e aos Estados-Partes nesta Convenção e, posteriormente, transmitido, para sua publicação, ao Secretário-Geral da Organização dos Estados Americanos. O referido relatório conterá uma breve exposição dos fatos e da solução alcançada. Se qualquer das partes no caso o solicitar, ser-lhe-á proporcionada a mais ampla informação possível.

    Art. 50 1. Se não se chegar a uma solução, e dentro do prazo que for fixado pelo Estatuto da Comissão, esta redigirá um relatório no qual exporá os fatos e suas conclusões. Se o relatório não representar, no todo ou em parte, o acordo unânime dos membros da Comissão, qualquer deles poderá agregar ao referido relatório seu voto em separado. Também se agregarão ao relatório às exposições verbais ou escritas que houverem sido feitas pelos interessados em virtudes do inciso 1º, e, do artigo 48.

    2. O relatório será encaminhado aos Estados interessados, aos quais não será facultado publicá-lo.

    3. Ao encaminhar o relatório, a Comissão pode formular as proposições e recomendações que julgar adequada”.

Nessa orientação é relevante mencionar sobre as deliberações da CIDH, que suas sentenças não precisam passar pelo processo de homologação das sentenças estrangeiras, qual seja exaquatur de competência conjunta do Superior Tribunal de Justiça e dos juízes federais, assim, é o consentimento do Brasil que concede validade as decisões da CIDH. Dessa forma, ao mesmo tempo em que sua força normativa está no direito internacional, depende, também, de um ato soberania brasileiro, qual seja, o consentimento.

Sobre a execução das decisões da CIDH no direito domestico, pondera Brant:

“Apesar de inexistir um procedimento previsto em lei para a execução das sentenças da CIDH, tal omissão legal não é justificativa para o descumprimento destas decisões. Parte da doutrina sustenta que as decisões internacionais, impondo o pagamento de indenizações compensatórias às vítimas, poderiam valer-se como título executivo a ser executado contra o Estado. Apesar disso, como regra geral, o Brasil as efetiva internamente por meio de decreto presidencial, com fundamento no artigo 84, inciso IV, da Constituição de 1988. A execução via decreto ocorre sem a tramitação no poder legislativo, evitando morosidade no pagamento de reparação às vítimas”. (BRANT, 2019, p.281) 

Desta forma de acordo com o art. 84, IV, CF/88, é competência privativa do Presidente da Republica “sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução”.  Brant traz alguns exemplos da eficiência dos decretos presidenciais para a aplicação das deliberações da CIJ no Brasil, evitando a morosidade do legislativo:

“(...) a sentença no caso Ximenes Lopes foi implementada e cumprida por um decreto executivo. O caso girava em torno de Damião Ximenes Lopes, portador de deficiência mental que faleceu em outubro de 1999 após ser internado na Casa de Repouso Guararapes, estabelecimento privado de atendimento psiquiátrico ligado ao Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro. Pelas alegadas condições desumanas e degradantes e pelos atos contra a integridade pessoal da vítima, o Brasil foi responsabilizado pela violação dos direitos à vida e à integridade pessoal de Ximenes Lopes, bem como o direito à integridade pessoal e às garantias judiciais de seus familiares”.

Nessa orientação, destaca-se o papel relevante das audiências publicas para a construção do direito global contemporâneo, oportunizando o debate, ouvindo as partes para compreender seus pontos de vistas. Em alguns casos mais complexos também se faz necessário ouvir testemunhas e peritos. Para Trindade ao contrario dos positivistas o Direito tem muito que aprender com outras áreas do conhecimento. Assim, a audiência publica é ferramenta de dignidade na medida em que abrem espaço para as partes exporem seus argumentos. Trindade lista alguns motivos que consagram a importância das audiências publicas no cenário internacional:

“a) contribuem elas à materialização da igualdade de armas (...), de modo que as partes tenham igual oportunidade de apresentar todos os seus argumentos e provas perante o tribunal internacional em questão; b) asseguram a observância do princípio do contraditório, de modo que as partes se sintam, elas próprias, satisfeitas de que todas as suas provas têm sido produzidas perante o tribunal internacional em apreço para a determinação dos fatos, e todos os seus argumentos tenham sido apresentados para a avaliação pelo referido tribunal do ocorrido; e c) constituem, para as vítimas, como já assinalado, uma forma de reparação, e para elas das mais importantes”.

Nesse sentido, para os tribunais globais, as audiências públicas tem relevância tanto na função contenciosa, quanto da consultiva. Exemplo disso fora a Declaração de Independência do Kossovo, em 22 de julho de 2010, que contou com mobilização da comunidade internacional através de audiências públicas.

Nessa continuação, o compromisso assumido na Cúpula Mundial das Nações Unidas em 2005, foi de ter em primeiro plano o primado do direito nos debates, esta posição firmada esta em consonância com a Resolução 61/39 de 2006, da Assembleia Geral da ONU. Essa resolução traz um conjunto de informações sobre as atividades dos organismos que fazem parte da ONU e que promovem o postulado do Estado de Direito.

Assim, o postulado do rule of law, é uma dos fundamentos da Carta da ONU, e uma característica da aceitação deste principio é a amplitude de não só abranger as normas que regulam a atividade humana, mas, também sujeitos de direitos, os justiçáveis. Outro desdobramento do postulado é imposição de se fazer cumprir as sentenças dos tribunais globais. Portanto, esse postulado e suas repercussões são o ponto central para a formação de consciência jurídica universal.

Na direção, do Estado de Direito, a atualidade revela que se estar cada vez mais próximo de se alcançar o ideal de justiça e esse exercício está diretamente ligado à jurisprudência sobre direitos humanos. Assim sendo, três pontos são centrais para o desenvolvimento deste objetivo, quais sejam: importância dos princípios gerais do direito, a unidade do direito na realização da justiça e a jurisdição internacional em cooperação como a nacional na realização da justiça.

Nesse sentido, o art.38 da Carta de Haia enumera as “fontes formais” do direito global e dentre elas está os princípios gerais do direito que tem relação direta com os fundamentos do Direito e é comum a todos os ordenamentos jurídicos. A finalidade destes princípios é o alcance da justiça, de forma objetiva se comunicando com jus gentium, ou seja, um direito global universal. Para Trindade: “são os princípios gerais do direito que inspiram a interpretação e aplicação não só das normas jurídicas, como também o próprio processo legiferante de sua elaboração”. Assim, a experiência de um tribunal pode servir de norte para a interpretação de outro tribunal internacional.

No quer tange a unidade do direito trata-se da aproximação entre os ordenamentos jurídicos domestico e internacional, um dos fatores para essa aproximação fora a quebra do paradigma no qual somente os Estados eram sujeitos de direto internacional, porem, atualmente a legitimidade é inclusive, dos indivíduos. Desta forma, a pratica do ideal de justiça passou a ser um objetivo comum. Essa convergência aparece no plano normativo, hermenêutico e operacional.

Sobre a cooperação entre a jurisdição nacional e global, para a realização da justiça é vista especialmente nos tribunais híbridos ou mistos ou nacionalizados, onde convivem no exercício da função jurisdicional juízes nacionais estrangeiros. Para Trindade essa convivência é saudável e não apresenta dificuldade insuperável, como por exemplo, a de estudar o sistema jurídico de cada nação, por exemplo, civil law, common law, direito islâmico entre outros. Para ela a função judicial internacional transcende o âmbito do Direito, pois nesta atividade cada magistrado é movido pela sua própria consciência, no objetivo de fazer justiça.

Assim, cada juiz internacional decide de acordo com a sua própria percepção, fundamentado sempre sua decisão nos princípios gerais do direito. Por isso, cada tribunal internacional é livre para encontrar o direito aplicável ao caso concreto, independentemente do argumento das partes, há aqueles juízes que preferem seguir a letra da lei, porem, há outros que preferem seguir sua própria interpretação, pois os desafios da atualidade requerem inovações para o desenvolvimento um direito justo.

Exemplo de convergência entre tribunais é o caso do diálogo permanente entre Clash e o Cedo que têm contribuído muito para a difusão da proteção aos direitos humanos. E também para um objetivo em comum, demonstrando harmonia entre os tribunais. Segundo Trindade “é difícil o caminho da realização da justiça internacional, mas, cabe perseverar em percorrê-lo”.

Nesse contexto, o direito de acesso à justiça em sentido amplo, para solução de lides, atualmente, não se limita as causas interestatais, mas, também abarca as intraestatais. Desta maneira, também é um avanço a existência de tribunais que se destinam a dizer o direito nesta ultima hipótese, ampliando o âmbito de solução de controvérsias. Isso se dá também entre outros fatores pela incorporação do individuo como sujeito ativo e passivo de direito global.

Nesse sentido, o surgimento de novas temáticas dentro do Direito Internacional dos Direitos Humanos, e o Direito Penal Internacional, são evidencias do avanço no século vinte um nesta seara, por isso é importante que os tribunais globais tenham a consciência da sua missão no exercício da atividade jurisdicional em diversas áreas, a fim de se atingir o melhor desempenho, não deixando de lado a cooperação e o diálogo entre os órgãos jurisdicionais, pois é muito importante. Por conseguinte, a CIJ tem dito o direito em julgados que vão muito além do conflito entre Países, o que exige da Corte traquejo, sagacidade e pensamento amplo sobre novos temas e o estudo mais profundo de ramificações especificas do Direito Internacional.

Nessa direção, em 1994 a Convenção de Montego Bay, cria o Tribunal Internacional do Mar, organismo jurídico internacional autônomo, como objetivo de resolver litígios relacionados ao direito do mar. Sua sede está localizada em Hamburgo na Alemanha, é composto por 21 membros, que são escolhidos pelos Estados Partes presentes no dia da votação. Apesar de não ser o único instrumento de solução de litígios relacionados ao direito do mar, o Tribunal tem muita técnica e por isso suas decisões tem muita credibilidade na seara global, assim, suas decisões são finais e vinculantes, contudo carece de mecanismos para fazer cumprir seus julgamentos.  

Partindo da premissa, que a comunicação entre os tribunais internacionais é fundamental, principalmente, hoje, à medida que surgem novos tribunais atuando em áreas distintas, cada um desses tribunais tem sua importância e nenhum está subordinado ao outro, ou seja, tem autonomia, para dizer o direito no caso concreto. Por isso o que realmente importa é a busca pela jurisdição que comtemple as causas de todos indistintamente, e não a busca infundada por heroísmo, ou seja, a finalidade é a qualidade das sentenças e sua excelência. Sendo assim, mesmo os tribunais internacionais tendo sido fundados em tratado ou instrumento globais diferentes e com o seu direito próprio, entre eles há a cooperação e a complementariedade.

Trindade critica a atenção dada pelo jusinternacionalistas a falsos problemas de conflitos de competência ou de competição entre tribunais, em detrimento dos inúmeros fatos de injustiça, violência e violação de direitos que acontecem entre os povos ao redor do mundo todos os dias. É importante ter a lucidez e clareza para ver o mundo violento e intolerante em que vivemos. Por isso, a harmonia entre os tribunais somente se dará e permanecerá mediante o respeito mútuo e a comunicação. Desta maneira, a multiplicidade e a criação de novos tribunais é um fato muito animador, pois se deve resolver os litígios através da via judicial e não pelo uso da força. Assim a importância dos tribunais é medida pela sua atuação, por exemplo, para vitimas de violações de direitos humanos, os tribunais mais importantes são os de direitos humanos, já para as vitimas de crimes contra a humanidade, os mais importantes são os tribunais penais.

Portanto, a afirmação da responsabilidade internacional se dá na medida em que os tribunais internacionais reconhecem que nenhum Estado, organização ou individuo está acima de outrem, independente de características sociais e econômicas, aqueles que macularem as normas de direito internacional, serão responsabilizados pelos seus atos, sobretudo quando se tratar de violações aos direitos humanos, esses agentes criminosos dever arcar com as consequências jurídicas de seus atos. A luta contra a impunidade é uma das bandeiras dos tribunais internacionais de direitos humanos como dos tribunais penais internacionais.

Nesse caminho, os tribunais internacionais no exercício da jurisdição, tem pacificado controvérsias e litígios sejam eles entre Estados ou com indivíduos ou com organizações, além relevante papel consultivo orientando com se proceder no caso concreto, ou seja, tem dito e construído o Direito dos Povos. O papel dos tribunais internacionais têm sido o de dar coerência, exatidão e harmonia ao ordenamento jurídico internacional; têm quebrado paradigmas ao incluir as lides intraestatais a sua apreciação, eliminando lacunas e ampliando seu âmbito de atuação da via judicial para a solução de conflitos de diversas naturezas, incentivando a elevação do padrão da realização da justiça. A existência de múltiplos e especializados tribunais tem contribuído para o avanço rumo ao ideal de justiça.


Referências

CASELLA, Paulo Borba Manual de direito internacional público / Paulo Borba Casella, Hildebrando Accioly e G. E. do Nascimento e Silva. — 20. ed. — São Paulo : Saraiva, 2012.

TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Princípios do direito internacional contemporâneo. 2ª ed. rev. atual. Brasília: FUNAG, 2017.

TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Os tribunais internacionais contemporâneos. Brasília: FUNAG, 2013.

BRANT, Leonardo Nemer Caldeira. Curso de Direito Internacional. Volume 1. Belo Horizonte: 2019


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