A finalidade do inquérito policial

 


Vários doutrinadores se debruçam sobre o objetivo do inquérito policial para dar uniformidade e coerência a esse instituto tão importante e valioso para o processo penal, inclusive na identificação do fato oculto e na filtragem de acusações indevidas ou falsas.

Para Ana Maria Duarte: “tem a finalidade de formar a convicção (opinio delicti) do órgão do MP (ações públicas) e do ofendido, nas (ações privadas), para a promoção da competente ação penal” (2017, p.35).

Explica Bucci: “sua finalidade é a investigação do crime e a descoberta do seu autor, com o fito de fornecer elementos para o titular da ação penal promovê-la em juízo, seja ele o Ministério Público, seja o particular, conforme o caso”(2020, p.97).

Doutrina Mirabete: “a apuração de fato que configure infração penal e respectiva autoria, para servir de base à ação penal ou às providências cautelares” (2004, p.60).

Leciona Capez: “a finalidade do inquérito policial é a apuração de fato que configure infração penal e a respectiva autoria para servir de base à ação penal ou às providências cautelares” (2016, p.152).

Nesse caminho, em 2020, no julgamento do Agravo Regimental no Recurso Especial 1.283.996/DF, o STF decidiu que: “I – O Plenário do Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que, ante o princípio constitucional da não culpabilidade, inquéritos e processos criminais em curso são neutros na definição dos antecedentes criminais”.

Importante precedente firmado pela Corte Maior que dialoga diretamente com a presunção de inocência e confere ao inquérito policial a denominada neutralidade em relação da ficha corrida do indiciado ou acusado. Assim a autoridade policial, qual seja, o delegado de polícia não pode divulgar as informações do inquérito, em observância, a  característica do sigilo das investigações.

Sendo assim, o objetivo do inquérito policial é a investigação por parte da polícia judiciária (art. 4º CPP) dos indícios de autoria e materialidade do fato delituoso, servindo de elemento de sustentação para a ação penal bem como para outras diligências fixadas em lei.

Ademais, o inquérito policial tem efeito pedagógico inibindo a prática de novas infrações penais (gênero que engloba crimes e contravenções penais) e além disso, dará uma justificativa à vítima que teve seu bem jurídico violado.

Nessa direção, outra finalidade do inquérito policial na atualidade é a restaurativa na qual dá-se mais importância à conciliação, a partir da qual escuta-se a vítima e incentiva que a mesma chegue a um acordo com o agente e eventualmente o perdão mútuo. Nesse sentido flexibiliza-se o jus puniendi ou poder de punir do Estado, e, por conseguinte a ação penal, assim a sanção deixa de ser o único objetivo do Estado.

Nucci sintetiza as características da justiça restaurativa:

  • “a) o crime é ato contra a comunidade, contra a vítima e contra o próprio autor;
  • b) o interesse em punir ou reparar é das pessoas envolvidas no caso;
  • c) há responsabilidade social pelo ocorrido;
  • d) predomina o uso alternativo e crítico do Direito Penal;
  • e) existem procedimentos informais e flexíveis;
  • f) predomina a disponibilidade da ação penal; g) há uma concentração de foco conciliador;
  • h) existe o predomínio da reparação do dano causado ou da prestação de serviços comunitários;
  • i) as penas são proporcionais e humanizadas;
  • j) o foco de assistência é voltado à vítima;
  • k) a comunicação do infrator pode ser feita diretamente ao Estado ou à vítima”. (2020, p.104)

 

Isto é, para o modelo restaurativo de inquérito policial como o crime atinge a toda sociedade cabe um tratamento humanizado do agente  e da vítima focado na conciliação para que se chegue a satisfação da vítima e a um possível perdão.

Todavia, Nucci alerta que o sistema jurídico penal brasileiro tem suas peculiaridades e é diferente de outros países nos quais o modelo de justiça restaurativa funciona realmente:

“A Justiça Restaurativa pode ser um ideal válido para a Política Criminal brasileira nos campos penal e processual penal, mas, insistimos, sem fantasias e utopias e abstendo-se o jurista (bem como o legislador que o segue) de importar mecanismos usados em países com realidades completamente diferentes da existente no Brasil” (2020, p.104)

 

Ou seja, a aplicação da justiça restaurativa dependerá do caso concreto e do tipo penal enquadrado, assim há crimes que merecem punição pelo modelo tradicional ou retributivo como por exemplo os delitos de homicídio e o tráfico ilícito de drogas e etc. Já há outros em que na fase do inquérito policial pode-se tentar a restauração, por exemplo crimes contra a honra (calúnia, difamação e injúria), contra a liberdade individual e sem violência e etc.

Logo, entre os diversos propósitos do inquérito policial destaca-se o respeito aos direitos humanos e fundamentais e a eliminação de notícias de crimes infundados, bem como o efeito pedagógico para que o suposto crime não venha a ocorrer novamente.

 

Referências:

 

DUARTE, Ana Maria, Apostila de Direito Processual Penal I, PUC- Goiás. 2017

MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. ed. 16. São Paulo: Atlas, 2004.

CAPEZ, Fernando Curso de processo penal / Fernando Capez. – 23. ed. – São Paulo : Saraiva, 2016.

NUCCI, Guilherme de Souza Código de Processo Penal Comentado / Guilherme de Souza Nucci. – 19. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2020.

STJ. Agravo Regimental no RE 1.283.996. Relator: Ricardo Lewandowski. DJ 11/11/2020.


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