A importância do acesso à justiça

 



A Constituição Federal de 1988, consagra no artigo 5º, inciso XXXV, de que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, bem como disciplina no inciso LXXIV que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”.

Sendo assim destes dispositivos constitucionais se extrai o princípio e o direito de acesso à justiça no ordenamento jurídico brasileiro, isso porque ao mesmo tempo em que o Estado, e mais especificamente o Poder Judiciário tem o dever de analisar as demandas e casos que chegam até seu conhecimento, da mesma forma deve prestar informações jurídicas e oferecer mecanismos para ingresso na Justiça daqueles sujeitos que comprovarem não dispor de recursos financeiros para ter acesso.

Segundo Cappelletti, "o acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental- o mais básico dos direitos humanos- de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos”. (p.12)

Explica Bulos, o objetivo do princípio do acesso à justiça também chamado de princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional é: “difundir a mensagem de que todo homem, independentemente de raça, credo, condição econômica, posição política ou social, tem o direito de ser ouvido por um tribunal independente e imparcial, na defesa de seu patrimônio ou liberdade”(BULOS, 2014, p.630)

Explica Ramos:

“Concretiza-se, assim, o princípio da universalidade da jurisdição ou inafastabilidade do controle judicial, pelo qual o Poder Judiciário brasileiro não pode sofrer nenhuma restrição para conhecer as lesões ou ameaças de lesões a direitos. Esse direito é tido como de natureza assecuratória, uma vez que possibilita a garantia de todos os demais direitos, sendo oponível inclusive ao legislador e ao Poder Constituinte Derivado, pois é cláusula pétrea de nossa ordem constitucional” (RAMOS, 2017, p.748).

Ou seja, o acesso à justiça é direito fundamental e só pode ser restringido ou diminuído pelo poder constituinte originário. Entre os órgãos auxiliares do Judiciário que materializam a garantia do acesso a justiça, destaca-se o papel da Defensoria Publica, como instituição autônoma e independente na defesa dos interesses dos necessitados e hipossuficientes.

Nesse contexto, a Justiça é compreendida de forma ampla, assim, não diz respeito apenas a uma decisão judicial, porém, pode ser concebida também através de autocomposição entre as partes da lide. Ou seja, a mediação e a conciliação também são meios de resolução de conflitos e acesso à Justiça, não no sentido de judicialização de um conflito, mas de obtenção de uma resposta justa, que pode estar amparada pela estrutura oferecida pelo Poder Judiciário. (CNJ, 2021, p.21)

Nesse sentido o direito de acesso à justiça se irradia por todo ordenamento jurídico brasileiro bem como em normas internacionais, por exemplo: A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, mediante garantias judiciais:

Art. 8º “1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.

  • 2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:
  • a) direito do acusado de ser assistido gratuitamente por tradutor ou intérprete, se não compreender ou não falar o idioma do juízo ou tribunal;
  • b) comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada;
  • c) concessão ao acusado do tempo e dos meios adequados para a preparação de sua defesa;
  • d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor;
  • e) direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado, remunerado ou não, segundo a legislação interna, se o acusado não se defender ele próprio nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei;
  • f) direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no tribunal e de obter o comparecimento, como testemunhas ou peritos, de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos.
  • g) direito de não ser obrigado a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada; e
  • h) direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior.
  • 3. A confissão do acusado só é válida se feita sem coação de nenhuma natureza.
  • 4. O acusado absolvido por sentença passada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos.
  • 5. O processo penal deve ser público, salvo no que for necessário para preservar os interesses da justiça.
A Convenção Americana das Pessoas com Deficiência (Decreto 6.949/2009) que consagra em seu art. 13 a inafastabilidade do controle jurisdicional:

“1.Os Estados Partes assegurarão o efetivo acesso das pessoas com deficiência à justiça, em igualdade de condições com as demais pessoas, inclusive mediante a provisão de adaptações processuais adequadas à idade, a fim de facilitar o efetivo papel das pessoas com deficiência como participantes diretos ou indiretos, inclusive como testemunhas, em todos os procedimentos jurídicos, tais como investigações e outras etapas preliminares.

2.A fim de assegurar às pessoas com deficiência o efetivo acesso à justiça, os Estados Partes promoverão a capacitação apropriada daqueles que trabalham na área de administração da justiça, inclusive a polícia e os funcionários do sistema penitenciário”.

Nessa direção, a Organização Internacional dos Estados Americanos publicou em 2012 a Resolução n. 2.714, reforçando a necessidade dos Estados americanos em garantir o acesso à justiça, bem como proporcionar a independência e autonomia funcional da Defensoria Pública. Ou seja, por está previsto em tratados internacionais o direito de acesso à justiça é também um direito humano.

Ademais, internamente, o Código de Processo Civil, regulamenta a cooperação internacional e o tratamento igualitário que deve ser dado a estrangeiros e brasileiros no que diz respeito ao acesso à justiça: art. 26I - a igualdade de tratamento entre nacionais e estrangeiros, residentes ou não no Brasil, em relação ao acesso à justiça e à tramitação dos processos, assegurando-se assistência judiciária aos necessitados”.

Nessa mesma linha o CPC diz no art.319§3º que a petição inicial que não tiver a qualificação das partes não será indeferida pelo juízo competente se ficar comprovado que era muito custoso ou impossível obter tais informações. A finalidade desta norma é garantir que as partes tenham acesso ao devido processo legal, que está diretamente ligado ao acesso à justiça, mesmo que falte algum dos requisitos de admissibilidade da exordial.

Nesse contexto, a lei 13.964/2019, também chamada de pacote anticrime, inclui no Código de Processo Penal os seguintes dispositivos: art. 3-B, XV - assegurar prontamente, quando se fizer necessário, o direito outorgado ao investigado e ao seu defensor de acesso a todos os elementos informativos e provas produzidos no âmbito da investigação criminal, salvo no que concerne, estritamente, às diligências em andamento”.

Outrossim, o art. 3-C § 4º “Fica assegurado às partes o amplo acesso aos autos acautelados na secretaria do juízo das garantias”, essas normas garantem no processo penal o acesso das partes e seus advogados aos autos e seu andamento, todavia essas diretrizes permanecem suspensas por decisão do Supremo Tribunal Federal.

Nesse caminho o Código de Defesa do Consumidor disciplina no art.6º, VII que é direito básico de todo consumidor: “o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados”.

Inclusive a lei 14.181 de 2021 alterou o CDC, para incluir norma que diz ser nula de pleno direito qualquer cláusula contratual que impossibilite o acesso à justiça: art. 51 “XVII - condicionem ou limitem de qualquer forma o acesso aos órgãos do Poder Judiciário”, ou seja combate assim práticas abusivas na prestação de produtos e serviço e assevera que todo consumidor tem direitos de recorrer à justiça, bem como a seus órgão auxiliares se for lesado.

Portanto, o direito à inafastabilidade do controle jurisdicional é pedra angular do Estado Democrático de Direito sendo direito fundamental e humano, contribuindo assim para a resolução de conflitos, para a pacificação social e porque não dizer para o ideal de justiça social. Logo, a porta dos Poderes Públicos, sobretudo do Judiciário, devem estar sempre abertas para atender ao povo, que é o legítimo titular do poder Estado.



Referências:


BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.
CNJ Conselho Nacional de Justiça Democratizando o acesso à justiça / Conselho Nacional de Justiça, Flávia Moreira Guimarães Pessoa, organizadora – Brasília: CNJ, 2020.
CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à justiça. Tradução Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988
RAMOS, André de Carvalho Curso de direitos humanos / André de Carvalho Ramos. – 4. ed. – São Paulo : Saraiva, 2017. 1. Direitos humanos 2. Direitos humanos - Brasil 3. Direitos humanos (Direito internacional) I. Título. 16-1356 CDU 341:347.121.1
BULOS, Uadi Lammêgo Curso de direito constitucional I Uacli Lammêgo Bulos. - 8. cd. rcv. e atrn.11. de acordo com a Emenda Constitucional n. 76/2013 -São Paulo: Saraiva, 2014.

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