As diferentes vulnerabilidades no ordenamento jurídico brasileiro

 



Partindo da premissa de que as pessoas não são iguais e ao mesmo tempo o ordenamento jurídico não admite discriminações e que busca pelo direito fundamental de igualdade não pode ser apenas formal, ou seja, igualdade perante a lei, mas sobretudo deve ser material ou igualdade na lei assim, o legislador deve se preocupar com os grupos mais frágeis da sociedade quando cria uma norma.

A Constituição Federal de 1988 (CF/88), consagrou diversas normas gerais com essência igualitária a fim de combater algumas vulnerabilidades existentes na sociedade e nortear a criação de dispositivos infraconstitucionais específicos, bem como de políticas públicas de proteção a esses sujeitos de direitos mais vulneráveis. Porem essa terminologia é muito ampla e complexa.

Nesse sentido, a CF/88 disciplina no Capítulo VII o tratamento que deve ser dado a família, a criança ao adolescente, ao jovem e ao idoso, dessas normas gerais nasceram normas especiais como o Estatuto do Idoso lei 10.741/2003, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), lei 8.069 de 1990, o Estatuto da Juventude, lei 12.852de 2013.

Além disso, a CF/88 serve de base para o reconhecimento de outros tipos de vulnerabilidade como regulamenta o Código de Defesa do Consumidor lei 8.078 de 1990 e do Estatuto da Pessoa com Deficiência lei 13.146 de 2015, entre outras leis que podem vir a ser criadas. Todos esses dispositivos legais tem a finalidade de cuidar dos grupos mais expostos e desprotegidos da sociedade.

Mas, afinal qual a definição de vulnerabilidade?

Sob a ótica do direito do consumidor Bessa e Moura citando Valério Dal Pai Moraes, “vulnerabilidade, sob o enfoque jurídico, é, então, o princípio pelo qual o sistema jurídico positivado brasileiro reconhece a qualidade ou condição daquele(s) sujeito(s) mais fraco(s) na relação de consumo, tendo em vista a possibilidade de que venha(m) a ser ofendido(s) ou ferido(s), na sua incolumidade física ou psíquica, bem como no âmbito econômico, por parte do(s) sujeitos(s) mais potente(s) da mesma relação” (2014, p.80).

Nessa direção, um dos princípios da política nacional de relações de consumo previstas no CDC: art.4º “I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo”, ou seja, presume-se o consumidor como vulnerável ou frágil frente ao fornecedor.

Inclusive é proibido expressa e implicitamente durante a oferta de crédito ao consumidor, seja ela publicitária ou não (art. 54-C): “IV - assediar ou pressionar o consumidor para contratar o fornecimento de produto, serviço ou crédito, principalmente se se tratar de consumidor idoso, analfabeto, doente ou em estado de vulnerabilidade agravada ou se a contratação envolver prêmio”.

Isto é, o consumidor já é a parte mais fraca da relação de consumo ainda mais se este preencher os requisitos de outros tipos de vulnerabilidade como, por exemplo, ser idoso, a finalidade dessa norma que foi inserida no CDC pela lei 14.181 de 2021 é a prevenção e o tratamento do superendividamento.

Nesse caminho, o Estatuto do Idoso consagra no art.3º “É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária”.

E mais, disciplina o art. 4º “Nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, e todo atentado aos seus direitos, por ação ou omissão, será punido na forma da lei”. Ou seja, aqueles que possuem sessenta anos ou mais merecem prioridade de tratamento em relação aos demais, a preferência deve ser garantida pelo Estado, pela sociedade e pela família em respeito a sua condição de vulnerável.

Nessa senda, o Estatuto da Pessoa com Deficiência prevê no art. 39: “Os serviços, os programas, os projetos e os benefícios no âmbito da política pública de assistência social à pessoa com deficiência e sua família têm como objetivo a garantia da segurança de renda, da acolhida, da habilitação e da reabilitação, do desenvolvimento da autonomia e da convivência familiar e comunitária, para a promoção do acesso a direitos e da plena participação social".

"§ 1º A assistência social à pessoa com deficiência, nos termos do caput deste artigo, deve envolver conjunto articulado de serviços do âmbito da Proteção Social Básica e da Proteção Social Especial, ofertados pelo Suas, para a garantia de seguranças fundamentais no enfrentamento de situações de vulnerabilidade e de risco, por fragilização de vínculos e ameaça ou violação de direitos".

Ou seja, o deficiente pode ser enquadrar em diversas situações de vulnerabilidade a depender do seu tipo de deficiência, da camada social a qual pertence, do seu nível de escolaridade e das pessoas que os cercam, por isso o Estatuto assevera que é necessário um planejamento que concilie diversos serviço de assistência social para combater a exposição que o deficiente sofre, bem com para inseri-lo, por exemplo, no mercado de trabalho.

Nesse caminho, o ECA, também reconhece a fragilidade da criança e do adolescente mediante o princípio da prioridade previsto no art. 4º e sua alíneas: “Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:

a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;

b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;

c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;

d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude”.

Sendo assim, é destinada à criança e ao adolescente para sua proteção integral a prevalência de seus direitos em comparação com outras faixas etárias, sobretudo na confecção de políticas públicas.

Nessa trilha, o Estatuto da Juventude determina que: “Art. 33. A União envidar esforços, em articulação com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, para promover a oferta de transporte público subsidiado para os jovens, com prioridade para os jovens em situação de pobreza e vulnerabilidade, na forma do regulamento”, ou seja é obrigação da União fornecer transporte público para jovens em estado vulnerável garantindo assim a mobilidade dessa pessoas”.

Ademais, o art. 38 do Estatuto da Juventude orienta que União, Estados, Distrito Federal e Municípios devem somar esforços para criar e aplicar estratégias de segurança pública com base na: “IV - a priorização de ações voltadas para os jovens em situação de risco, vulnerabilidade social e egressos do sistema penitenciário nacional”.

Outrossim, o art. 6º da CF/88 que foi alterado pela Emenda Constitucional 114/2021 insere o parágrafo único que trata dos direitos sociais: “todo brasileiro em situação de vulnerabilidade social terá direito a uma renda básica familiar, garantida pelo poder público em programa permanente de transferência de renda, cujas normas e requisitos de acesso serão determinados em lei, observada a legislação fiscal e orçamentária”, ou seja, agora é um direito social reconhecido pela CF/88 a renda mínima para famílias em situação de pobreza, porém deverá respeitar a viabilidade orçamentária.

Ademais, essa mesma manifestação do poder constituinte reformador incluiu no art. 203 da CF/88 que versa sobre a assistência social elemento da ordem social brasileira como um de seus objetivos: "VI - a redução da vulnerabilidade socioeconômica de famílias em situação de pobreza ou de extrema pobreza".

Portanto, um dos principais objetivos do Estado brasileiro é combater as vulnerabilidades, sejam eles, físicas, financeiras, sociais, culturais, etárias ou outras quaisquer, porque somente assim haverá a manifestação da igualdade real e da segurança jurídica e se alcançará o ideal de justiça social.



BIBLIOGRAFIA



BESSA E MOURA. Manual de direito do consumidor / Leonardo Roscoe Bessa e Walter José Faiad de Moura ; coordenação de Juliana Pereira da Silva. -- 4. ed. Brasília : Escola Nacional de Defesa do Consumidor, 2014

BENJAMIN, Antônio Herman V.; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de Direito do Consumidor. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

BRASIL. Código de Defesa do Consumidor (1990). Lei 8.078/1990 Código de Defesa do Consumidor. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1990.

BRASIL. Estatuto da Pessoa com Deficiência (2015). Lei 13.146/15. Estatuto da Pessoa com Deficiência. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 2015.

BRASIL. Estatuto do Idoso (2003). Lei 10.741/03. Estatuto do Idoso. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 2003.

BRASIL. Estatuto da Juventude (2013). Lei 12.852/13. Estatuto do Idoso. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 2013.

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