O que é cláusula pétrea?

 


Segundo a doutrina majoritária, uma das características da Constituição Federal de 1988 é sua rigidez, isso significa dizer que exige um procedimento legislativo mais complicado e formal diferente da modificação de leis que estão abaixo dela.

Nesse sentido, chama-se de poder constituinte derivado, a capacidade para revisar ou alterar o texto constitucional e esse poder é praticado pela proposta de emenda à Constituição prevista no art. 60 que também consagra a denominada rigidez da CF/88, porque exige que a proposta de emenda à Constituição seja acolhida  na Câmara dos Deputados e no Senado, em dois turnos, por no mínimo três quintos dos membros de cada Casa do Congresso Nacional.

Explica Masson, “(...) o entendimento da doutrina majoritária, que compreende a Constituição de 1988 enquanto rígida, sob a justificativa de que o que caracteriza a rigidez é exatamente o procedimento diferenciado de alteração - marcado por quorum de vocação qualificado, rejeição ao turno único, ampliação das discussões - e não a existência de um núcleo insuperável, insuscetível à ação restritiva ou abolitiva do poder reformador, que pode existir ou não nos documentos rígidos” (2016, p. 1.300).

Todavia, o art. 60§4º da CF/88 prevê que: “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:  I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais”.

Ou seja, algumas normas previstas na CF/88 não podem ser reformadas por emendas constitucionais ou mais precisamente pelo chamado poder constituído reformador, sendo assim essas regras são absolutas e inalteráveis exceto se houver um novo poder constituinte originário que dará origem a uma nova constituição, o que tem ser debatido com muita cautela e ponderação já que uma nova manifestação do poder constituinte originário, mesmo com a melhor das intenções de modernizar e melhorar as normas constitucionais pode desencadear sérios problemas, pois nesse ato as diversas correntes de ideológicas e políticas podem divagar ou exceder ao que é fundamental.

Nesse sentido, segundo Bulos “cláusula pétrea é aquela insuscetível de mudança formal, porque consigna o núcleo irreformável da constituição” (2014, p. 1696), ou seja a cláusula pétrea é um conjunto de normas que compõem o núcleo duro da constituição e não podem ser reformadas assim o legislador estar proibido que criar propostas de emendas que pretendam alterar ou retirar o texto que disciplina sobre os direitos e garantias individuais, a separação dos poderes, o voto direto, secreto, universal e periódico, e a forma federativa do Estado.

Entretanto uma observação precisa ser feita o legislador constituinte na redação do art. 60§4º, fala em direitos individuais (art.5º CF/88), contudo esses direitos individuais fazem parte do gênero direitos fundamentais que abarca outros artigos da Carta Maior, por isso o Supremo Tribunal Federal tem ampliado essa interpretação para incluir todos os direitos fundamentais como os direitos sociais (educação, saúde, moradia etc) previstos no art. 6º, entre outros espalhados pela CF/88.

Nesse caminho, as cláusulas pétreas também podem ser implícitas ou inerentes, isto é apesar de não estarem descritas no art. 60§4º CF/88, compõem também a essência da constituição, por exemplo, a titularidade competência  do poder constituinte reformador, que pertence ao Congresso Nacional; a princípio da rigidez constitucional (art. 60§ 2ª e 3º); princípios fundamentais da República Federativa do Brasil (art.1º CF/88) quais sejam: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. E mais o princípio da anterioridade tributária que proíbe a cobrança pelos Entes Federativos de tributos no mesmo ano em que foi publicada a lei que aumentou ou instituiu novo tributo (art. 150, III, b).

Sendo assim, esses direitos que compõem o núcleo básico da constituição somente poderão ser ampliados ou melhorados, jamais, diminuídos ou suprimidos.

Ademais além dos direitos de conteúdo declaratório a CF/88 também assegura garantias para que a pessoa que sofrer violação dos seus direitos possa buscar uma reparação de seu direito, são exemplos de garantias fundamentais os remédios constitucionais ( habeas corpus, habeas data, mandado de segurança e etc) que também são considerados por maior parte da doutrina cláusulas pétreas. Sendo assim, se determinada pessoa sofrer lesão ao seu direito fundamental de locomoção poderá impetrar habeas corpus para ter sua liberdade ambulatória restituída.



Todavia, a CF/88 já passou por várias emendas ao seu texto, o que corrobora para o  grande propósito do constitucionalismo moderno, qual seja, estabilidade, assim, as normas constitucionais não podem ser um obstáculo ao avanço da sociedade, por isso o legislador, através das emendas constitucionais, busca atualizar a Constituição. Sendo assim uma emenda constitucional visa alterar um ponto específico da CF/88, sendo bem precisa e particular e não sua essência.

Ademais alguns doutrinadores minoritários com Jorge Miranda em Portugal e, Manoel Gonçalves Ferreira Filho no Brasil defendem a teoria da dupla revisão ou dupla reforma em síntese, segundo essa tese a as cláusulas pétreas podem sofrer sim alteração, ou até mesmo serem abolidas porque segundo eles não seria razoável que as gerações futuras tivesse que conviver positivamente com normas criadas no passado em outro contexto histórico, levando em consideração que a sociedade está em constante transformação e que essa normas ficariam ultrapassadas.

Segundo Pedra citando o Ministro do STF Carlos Ayres Britto (2003, p.76) “a técnica da dupla revisão é “o que há de mais técnico, à luz de uma depurada Teoria da Constituição”. Mesmo que objetive mitigar os efeitos das cláusulas pétreas, “o mecanismo da dupla revisão baralha inteiramente os campos de legítima expressão do Poder Constituído e do Poder Constituinte, caindo, por isso mesmo, em contradições incontornáveis”. Afinal, se for possível reformar as cláusulas constitucionais de reforma, então a Constituição poderá perder o seu caráter rígido. E sem rigidez formal, não há como preservar a superioridade hierárquica da Constituição sobre as demais espécies normativas”.

Portanto as cláusulas pétreas sejam elas expressas ou implícitas são ferramentas de autodefesa, instituída pela soberania popular contra si mesma, ou seja, elas protegem o que há de mais importante em um texto constitucional dos caprichos de ideologias políticas mau intencionadas.

 

 

BIBLIOGRAFIA

 

BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. —8.ed.rev. e atual. de acordo com a Emenda Constitucional n.76/2015- São Paulo: Saraiva, 2014,

MASSON, Nathalia. Curso de Direito Constitucional.- 4.ed. ver e atual de acordo com Novo CPC, EC 84/2014 e EC 90/2015. São Paulo: Jus Podivm, 2016,

PEDRA, Adriano Sant’Ana, Reflexões sobre a teoria das cláusulas pétreas. Brasília a. 43 n. 172 out./dez. 2006

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988

PEDRA, Adriano Sant’Ana. A constituição viva: poder constituinte permanente e cláusulas pétreas. Belo Horizonte: Mandamentos, 2005.




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