Qual a diferença entre falência e recuperação judicial?

 






Nesse período de pandemia da covid-19 muitas empresas que já viam sofrendo com os impactos da recessão gerados pela crise de 2014, no Brasil, tiveram que fechar as portas por conta da perda de saúde financeira e administrativa geralmente causada por acúmulo de dividas. Segundo pesquisa feita pelo IBGE sobre o impacto da covid-19 nas empresa, 716 mil empresas fecharam as portas desde o inicio da pandemia. Entenda o que acontece quando uma companhia não consegue honrar seus compromissos e entra em processo de recuperação judicial ou vai à falência.



A recuperação judicial

Segundo Coelho, “somente as empresas viáveis devem ser objeto de recuperação judicial (ou mesmo a extrajudicial). Para que se justifique o sacrifício da sociedade brasileira presente, em maior ou menor extensão, (...), o empresário que a postula deve se mostrar digno do benefício”.[1] 

Isto é, para o doutrinador em última análise, quando o empresário não cumpre com suas obrigações, de qualquer natureza, ele, está ofendendo a função social da empresa, porque, depende da companhia uma serie de outras atividades dentro da sociedade, pois o empresário deve fazer por merecer o soerguimento do seu negocio, ou então, deverá abrir espaço para que outro empreendedor surja ou até mesmo poderá começar do zero uma nova atividade empresarial.

Nesse contexto, o fundamento da recuperação judicial é justamente impedir que a entidade vá à bancarrota em consequência do inadimplemento, porque, há uma serie de acontecimentos que derivam das dividas da corporação, quais sejam: o Estado deixa de arrecadar tributos, fornecedores perdem clientes, consumidores deixam de ter acesso a serviços ou produtos e trabalhadores perdem emprego e renda, o que atinge a toda coletividade.

Sendo assim, destaca-se a relevância do principio da preservação da empresa que está em consonância com o art. 47 da lei 11.101 de 2005, onde, também está regulamentado o objetivo do instituto da recuperação judicial, qual seja:

A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”.[2]

Desta forma, o empresário que se encontra em situação de crise em sua atividade empresarial deve comprovar a viabilidade da atividade econômica que exerce para que tenha o direito de recuperá-la, entre as diretrizes que ensejam a manutenção do negócio estão: a preservação do trabalho e do emprego, da matriz de produção, e os direitos dos credores, assim sendo, a lei de falências, traz os critérios para o pedido de recuperação judicial, no art. 48, sendo o primeiro deles o exercício da atividade empresarial regular a mais de dois anos, assim, não pode o empresário estando irregular, regularizar sua atividade com o intuito, exclusivamente, de pleitear recuperação judicial, os demais requisitos legais são os seguintes:

  • “I – não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, às responsabilidades daí decorrentes;
  • II – não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial;
  • III - não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial de que trata a Seção V deste Capítulo;
  • IV – não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos nesta Lei.”.[3]

 

Nessa perspectiva, a lei 11.101 de 2005, toma o cuidado de coibir eventuais abusos no pedido de recuperação judicial, descaracterizando a finalidade do instituto e em última análise garantindo a segurança jurídica nas relações comerciais.

Nesse interim, o procedimento para o empresário ajuizar o pedido de recuperação judicial está previsto no art.51, de acordo com esse dispositivo o primeiro passo é a descrever na petição inicial os motivos que levaram a crise econômico-financeira; juntar relatórios contábeis dos últimos três meses, fazer todo o balanço patrimonial do ativo; a relação completa de todos os empregados, credores e fornecedores; a lista dos bens particulares, dos sócios controladores e administradores; certidões do cartório de protesto entre outros documentos.

Nesse caminho, de acordo com o art. 52 estando reunida toda a documentação o juiz defere o andamento da recuperação judicial e no mesmo ato nomeia o administrador judicial (art.21) que irá fazer o intermédio entre o devedor e os credores, fazendo uma lista de todos os credores e comunicando a todos sobre o processo (art.22, I, a), em última analise esse profissional atua como fiscalizador do procedimento, incentivando, até, se for possível, eventual mediação e conciliação no caso concreto (art.22, I, j). O juiz também manda publicar um edital com a relação de todos os de credores e o respectivo credito que cada um têm a receber, bem como a ordem de pagamento (art.52, §1º II). 

Desta maneira, dado inicio ao processo recuperacional ficam suspensas as ações contra o devedor pelo prazo de 180 dias (art.6º§ 4º), salvo, as ações trabalhistas e as execuções fiscais (art.52, III), excepcionalmente esse prazo poderá ser prorrogado por mais 180 dias. O juiz também intimará o Ministério Publico do feito (art. 52, V). 

Nesse seguimento, de acordo com art. 53 o empresário devedor tem o prazo de até 60 dias para elaborar o plano de recuperação contado da data em que o juiz deferiu o pedido da recuperação judicial, estando sujeito à convolação se não respeitar o prazo. Esse programa de recuperação deverá conter de forma detalhada quais os meios de recuperação serão utilizados; comprovação da viabilidade econômica da empresa; e relatório econômico-financeiro, bem como a avaliação dos bens e ativos do devedor. O plano não poderá prevê prazo maior do que um ano para pagar os créditos de natureza trabalhista ou de acidente de trabalho (art.54). Entre as estratégias que podem ser usadas no plano estão: o abatimento da divida, o parcelamento, o prazo de carência para começar a pagar, fusão com outras companhias, a inclusão dos credores como acionistas, e etc.

Sendo assim, o juiz comunica aos credores sobre o plano, e eles, interessados em manter a firma viva para pagar o que lhes deve, decidirão se o plano é razoável, apresentando objeções no prazo de 30 dias (art.55). Se não houver discordância o plano será aprovado e, por conseguinte haverá à substituição das dividas anteriores pelos parâmetros estabelecidos no acordo, o nome da empresa poderá ser tirado do registro de protesto de títulos e o juízo supervisionará a entidade devedora por dois anos até que ela cumpra com todos os deveres estabelecidos no plano de recuperação, independentemente, de prazo de carência (art.61) encerrando-se assim o processamento da recuperação judicial.


 A falência 

Em outro giro, se não houver condições viáveis para o restabelecimento da organização e consequentemente a retomada a atividade econômica, o caminho juridicamente correto para se liquidar o patrimônio da companhia e honrar as dividas feitas com os credores e trabalhadores é o pedido de falência, que, diga-se de passagem, pode ser feito tanto pelo empresário devedor, quanto pelos credores.

Todavia, de acordo com Coelho “para fins de instauração da execução por falência, a insolvência não se caracteriza por um determinado estado patrimonial, mas sim pela ocorrência de um dos fatos previstos em lei. (ULHOA, 2016, p.173).[4]

Sendo assim, não é suficiente apenas que empresário devedor esteja insolvente economicamente, isto é, que seu ativo esteja inferior ao passivo, sobretudo, é necessário à insolvência em sentido jurídico, desta forma, requer a adequação do caso concreto aos parâmetros definidos na lei de falências, no art. 94 e seus incisos, quais sejam: 

  • (I)-impontualidade injustificada que é provada através do protesto de titulo; 
  • (II)- frustação da execução, comprovada mediante certidão judicial; 
  • (III)- e os chamados atos de falência, os quais engloba a liquidação precipitada através de meios fraudulentos como simulação do negócio jurídico, ou simulação de transferência de estabelecimento, venda irregular do estabelecimento ou abandono de estabelecimento e até mesmo o descumprimento dos prazos firmados no programa de recuperação judicial.

Nessa direção, o significado de insolvência, pressuposto para a decretação de falência de acordo com a lei 11.105/05 é normativo, abarcando diversas situações que gravitam em torno da divida, por exemplo, o vício social do negócio jurídico, como a simulação (que pode ensejar desconsideração da personalidade jurídica), até o descumprimento dos prazos do programa de recuperação judicial, o que enseja a convolação, isto é, a conversão de oficio pelo juiz da recuperação judicial em decadência (art. 73. V).

Desta forma, ao promover o afastamento do empresário devedor de suas atividades, deve-se observar os seguintes princípios, descritos nos incisos do art.75 da lei de falências quais sejam: preservação da capacidade produtiva do estabelecimento, ou seja, os recursos produtivos da sociedade devem ser protegidos; também é importante que o processo de venda do ativo para pagar aos credores seja rápido para que esse capital volte a circular na economia novamente; ademais é relevante incentivar o empreendedorismo, isto é, que seja célere a volta do empresário, ao mundo dos negócios comerciais que ele tente de novo empreender, e, agora, honrando com seus deveres corretamente.

Entretanto, se houver objeção no plano de recuperação, o juiz deverá convocar a assembleia de credores para deliberar sobre as alternativas a serem adotadas (art.56). “Rejeitado o plano de recuperação judicial, o administrador judicial submeterá, no ato, à votação da assembleia-geral de credores a concessão de prazo de 30 (trinta) dias para que seja apresentado plano de recuperação judicial pelos credores” (art.56,§4º).

Ou seja, a lei traz a alternativa de os próprios credores confeccionar uma estratégia de recuperação e apresentar em juízo. Em assembleia, os credores serão divididos por classe, quais sejam: primeiro os credores trabalhista e de acidente de trabalho; segundo os credores com algum privilegio especial; terceiro os credores sem garantia especial; e quarto os credores que são micro e pequenas empresas (art.26, I, II, III e IV). Em regra, todas as classes de credores precisam aprovar o plano alternativo, entretanto se não houver acordo, o juiz poderá aprova-lo de oficio.

Nessa direção, se o plano de recuperação for reprovado pelo juiz, ou se a entidade descumprir o prazo das obrigações assumidas no programa de recuperação será decretado o processo de falência que tem o objetivo de vender os bens da corporação e arrecadar o máximo para quitar as dividas com os credores, assim, à companhia encerra suas atividades. Esse procedimento será conduzido pelo Administrado Judicial, com a devida fiscalização do Juízo Falimentar e do Ministério Publico. Assim, o principal critério para decretação da falência e seu processamento é a insolvência jurídica.

Nesse contexto, citado pelo juiz, na contestação, tentando se defender do pedido de falência feito com base nos incisos I e II do art. 94, o devedor poderá apresentar o chamado deposito elisivo, em dinheiro, no prazo de 10 dias, ou seja, uma garantia para o devedor no caso da contestação for aceita, impedindo a decretação de falência, mas, principalmente, para o credor que poderá levantar o valor se a contestação não for aceita (art.98), e assim, o processo seguirá seu curso. 

Nesse sentido, em respeito ao par conditio creditorum postulado fundamental para o direito falimentar deve-se dar tratamento paritário ou igualdade de condições aos credores de uma mesma categoria para reaverem seus créditos. Por isso os credores podem se reunir em litisconsórcio para pleitear seus créditos em conjunto (art.94§1º). Desta forma, a lei classifica os credores e em consequência a ordem de pagamento (art.83), quer dizer: 

I- créditos de natureza trabalhista até 150 salários mínimos e os de acidente de trabalho; 

II- os créditos com direito real de garantia, até o limite do valor do bem gravado, por exemplo, um imóvel; 

III- os créditos de natureza tributaria, por exemplo, impostos; 

IV- os demais créditos (quirografários sem garantia especial, multas contratuais, juros vencidos e etc.).

Sendo assim, apresentado o relatório final o juiz decretará o encerramento da falência, mediante sentença e comunicará a todas as Fazendas Publicas em que o devedor estiver estabelecimento da decisão e dará baixa no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica da entidade (art. 157). E depois de cumprir com um dos incisos do art.158, entre elas, o pagamento de todos os créditos, o falido, poderá requerer ao juízo falimentar a extinção de suas obrigações mediante sentença (art.159). 

Portanto, fica evidente que os empregados da empresa insolvente, os bancos e o Fisco têm prioridade ao recebimento dos créditos e os demais credores devem aguardar sua vez chegar.





Referências:

COELHO, Fabio Ulhoa. Manual de direito comercial (livro eletrônico): direito de empresa/ Fábio Ulhoa Coelho.- São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. 5,22 Mb; PDF 

BRASIL. Lei de Falências (2005). Lei de Falências (11.101/05). Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 2005.


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