Direito à privacidade e o metaverso
O direito à
privacidade consiste na capacidade da pessoa gerenciar sua vida, da melhor
forma possível, mantendo preservada consigo suas informações pessoais,
familiares e afetivas, bem como suas manias, segredos, costumes, conflitos,
etc., sem se sujeitar ao julgamento e a intromissão crítica de outras pessoas.
Nesse sentido, a
Constituição Federal de 1988 (CF/88), orienta no art. 5º, X “são invioláveis
a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas (...)”, desse
texto, compreende-se que o direito à privacidade é um gênero que engloba à
intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas.
Nessa direção leciona
Bulos que à intimidade – “diz respeito às relações íntimas e pessoais
do indivíduo, seus amigos, familiares, companheiros que participam de sua vida
pessoal”1], ou seja, são as informações mais íntimas da pessoa como seus
segredos e sua autoestima, assim o acesso sem permissão a esses dados ou
comunicações telefônicas representa violação à privacidade.
Segundo Bulos à vida
privada “envolve todos os relacionamentos do indivíduo, tais como suas
relações comerciais, de trabalho, de estudo, de convívio diário”, isto é a
vida privada é mais ampla do que a intimidade e engloba áreas da vida do
indivíduo como sua ocupação e negócios e também à intimidade.
Outro campo do
direito à privacidade é à honra, consiste no amor e no orgulho que a
pessoa natural tem de si própria revelando assim sua autoestima (honra
subjetiva)- somado ao prestígio e admiração que o sujeito recebe da sociedade
pelo seu bom nome e comportamento, sua boa fama diante dos outros membros do
povo (honra objetiva).
Ademais é elemento da
privacidade à imagem, neste está proibido a divulgação da imagem de
qualquer sujeito sem seu consentimento, mesmo que seja para fins de elogiar o
sujeito. Porque protege-se a fotografia ou outro meio que reproduza a
fisionomia e os traços pessoais da exposição em qualquer veículo de
comunicação, seja jornais, televisão e internet sem aprovação do indivíduo.
Exceção a regra é quando a pessoa está em local público, pois neste caso se
subentende o consentimento para a publicação de sua imagem.
Nesta lógica todos os
elementos que compõem a privacidade dos sujeitos devem ser protegidos da
vulnerabilidade desnecessária ou até mesmo da má-fé com o objetivo de manchar e/ou
violar à intimidade e/ou à vida privada de determinado sujeito.
Nesse contexto, as
tecnologias, principalmente as redes sociais, muitas vezes
contrariam esses elementos que formam o direito à privacidade, porque os
algoritmos capturam as informações pessoais dos usuários e em muitos casos sem
o consentimento dos mesmos. Esses dados, certamente, vão para um banco
controlado pelas empresas que gerenciam as redes de relacionamento. E lá servem
para traçar o perfil do usuário, identificando seus desejos de compra, de
venda, seus hábitos alimentares, de vida se fazem exercícios ou não, se fazem
parte de uma família grande ou pequena, seu nível de escolaridade, seu perfil
amoroso dentre outras informações que na maioria das vezes não são fornecidas
pelo usuário, mas podem ser identificadas pelo que o sujeito pesquisa.
Nessa linha, o grupo
Meta em que faz parte o Facebook, o Instagram e o WhatsApp está desenvolvendo o
que eles chamaram de metaverso, que seria uma espécie de universo além
do que conhecemos se formos levar em consideração a origem grega da palavra
“meta”, porém o conceito desta expressão é muito indeterminado. Sendo assim,
o novo universo será uma espécie de mundo paralelo que acontece dentro de um
ambiente virtual, como se fosse um jogo, mas, sem game over, isto é, um
jogo sem fim, onde a vida das pessoas estará se passando dentro desse meio ambiente digital.
Nesse sentido, os
desenvolvedores dessa “nova” dimensão virtual pretendem simular dentro dele
todas as tarefas do cotidiano do mundo real, como trabalho, esporte, lazer,
compras, vendas entre outras coisas, tudo supostamente através do uso de
avatares, ou seja, a inteligência artificial irá de certa forma materializar os
desejos das pessoas na dimensão virtual na realidade, inclusive há estudos para
se integrar outros sentidos humanos, quais sejam olfato, tato, até quem sabe
paladar a inteligência artificial. Desta forma, já se fala na venda de terrenos
e casas virtuais por valores astronômicos, antes mesmo do programa ficar pronto
e tudo será pago com dinheiro de verdade ou com criptomoedas. E até mesmo
escolas dentro dessa realidade alternativa já estão surgindo, o que
promete revolucionar a educação no mundo.
Nessa direção, a
principal promessa dos criadores desse cosmos paralelo é que ele será a
evolução das redes sociais e irá revolucionar a internet. Nele os seres humanos
poderão interagir através de avatares. Na teoria os seres humanos estarão mais
próximos, mesmo estando a quilômetros de distância cada uma em suas casas. Esse
novo meio ambiente será capaz de juntar as mais diversas tecnologias já
existentes como a realidade aumentada e realidade virtual, redes sociais
e criptomoedas, tudo em um mesmo ambiente. Será por exemplo a evolução de jogos
como o pokémon go. Uma das promessas tecnológicas do metaverso será compartilhar o que a
pessoa está vendo com a inteligência artificial através de óculos com
tecnologia 3D avançada, juntando a pessoa virtual e a física na mesma experiência.
Apesar dos televisores usando a tecnologia 3D, não ter dado muito certo no
Brasil.
Nesse sentido, outras
empresas além do grupo Meta (Facebook) estão trabalhando no desenvolvimento
desse avanço tecnológico organizações como a Microsoft, Nike e a Adidas. Assim esse no meio ambiente virtual parece ser fantástico e o
sonho de consumo de muitas pessoas e espaço fértil para a criatividade humana.
Porém há vários
entraves à concretização desse objetivo, um deles é a velocidade da internet
porque para conjugar várias tecnologias em uma mesma plataforma simultaneamente
e com vários usuários acessando ao mesmo tempo será preciso internet
ultrarrápida. Outro obstáculo é a adesão em massa da população a esse avanço,
principalmente se alguns recursos prometidos não funcionarem, o que pode ser
causado pela baixa qualidade da internet, ademais existem aquelas pessoas mais
pragmáticas e conservadoras que preferem observar primeiro a efetividade da
plataforma antes de usá-la.
Ademais no que diz
respeito à privacidade esse universo paralelo carrega consigo diversos
problemas éticos a serem enfrentados, porque o fecebook, está rodeado de
escândalos envolvendo a divulgação de dados privados de seus usuários como no
caso da Cambridge Analytica (2018), organização acusada de usar dados da rede
para favorecer seus interesses suspeitos no mercado, inclusive favorecendo
políticos. E o mais recente caso, chamado de “os arquivos do fecebook”(2021)
envolvendo a empresa de Mark Zuckerberg, onde ela é acusada de violar a ética
empresarial, porque seus algoritmos supostamente auxiliaram na prática de
crimes como o tráfico de drogas e de pessoas e também deixaram passar a
disseminação em massa de fake news, segundo as acusações tudo isso foi
praticado pelo próprio companhia e não por terceiros.
Essa tecnologia
também pode gerar segregação, porque as pessoas que não terão acesso a ela
ficarão ainda mais excluídas da sociedade, como os moradores de rua. Inclusive
poderá haver um aumento no número de casos de indivíduos com doenças
psicológicas como depressão, transtorno de ansiedade e etc., por se perderem
dentro da dimensão digital.
Também poderá levar
até atos genocidas como os que aconteceram em Mianmar contra o grupo étnico
minoritário Rohingya. Segundo a conclusão das investigações feitas pela
Organização das Nações Unidas (ONU) o discurso de ódio através do fecebook,
foi crucial para incentivar a violência no País, apesar de depois do ocorrido a
companhia ter tomado algumas medidas para controlar a disseminação de ódio em
sua rede.
Sendo assim uma das
desvantagens do mau uso das redes é a exposição de seus dados íntimos e a
utilização de mídias e redes sociais criadas por sujeitos mal intencionadas que
podem vir a usar esses dados para obter vantagem ou mesmo para incentivar a
pratica algum ato criminoso, e isso poderá ganhar proporções muito maiores se o
metaverso ganhar a adesão geral da
população.
Contudo, há pessoas
que trabalham na exposição de sua imagem na Internet ou na televisão e outras
tantas que não ligam para a divulgação de suas informações na rede, assim,
esses indivíduos abrem mão temporariamente ou por um longo período de tempo de
seu direito à privacidade em troca da exposição midiática, como em reality
shows. Mas, elas não conseguem perceber que a divulgação de seus dados também
é das pessoas que estão a sua volta e de seus familiares e isso pode custar
carro.
Assim, será um grande
desafio para os programadores do metaverso, desenvolver uma política de
privacidade eficaz que proteja os usuários da plataforma de crimes cibernéticos,
de fraudes, do discurso de ódio e das fake news, pois estando em um
ambiente totalmente virtual, onde as pessoas irão interagir em tempo real
praticando atos da vida off-line, estarão muito mais suscetíveis a correr esses
riscos e ao vazamento de seus dados que poderão cair em mãos erradas ou serem
manipuladas pela própria rede.
Nesse cenário, é
necessário que as entidades envolvidas na elaboração desse novo ambiente
digital se comprometam a criar mecanismos que garantam a segurança de seus
usuários, inclusive através de políticas de privacidade e que ao mesmo tempo
assumam o compromisso de serem transparentes e éticas na captura das
informações pessoais.
Ademais, os Estados
devem criar regulamentos mais rígidos sobre as redes sociais e a internet como
um todo, inclusive fiscalizando se as políticas de privacidade estão sendo
seguidas corretamente, senão, as empresas irregulares devem ser responsabilizadas. Sobretudo deve haver estímulo à conscientização da população
através de campanhas sobre os riscos que se corre informando seus
dados em plataformas online.
Portanto, o pleno
funcionamento do metaverso dependerá
do equilíbrio entre o direito à privacidade prevista na Constituição Federal de
1988 com a ética que se espera de toda pessoa seja ela natural ou jurídica,
inclusive virtual.
BIBLIOGRAFIA
BRASIL. Constituição
(1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado
Federal: Centro Gráfico, 1988
BULOS, Uadi Lammêgo.
Curso de direito constitucional. —8.ed.rev. e atual. de acordo com a Emenda
Constitucional n.76/2015- São Paulo: Saraiva, 2014, p.16
Comentários
Postar um comentário